Medidas atípicas para recuperação de crédito

MEDIDAS ATÍPICAS PARA RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO

 

Por Isadora de Brida Santi

O sistema judicial brasileiro possui um dos maiores “congestionamentos” do mundo, em que o número de ações paralisadas equivale a 70% dos processos, principalmente no primeiro grau de jurisdição, conforme dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

Dentre os processos parados, encontram-se ações executivas que visam a recuperação de crédito (Execução de Título Extrajudicial, Execuções Fiscais e Cumprimento de Sentenças). O motivo das paralisações se dá pela dificuldade de localizar bens passíveis de penhora, bem como a dificuldade de encontrar o devedor que tende a se ocultar e ocultar seus bens mediante o emprego de “laranjas”.

 

Neste cenário, inúmeras são as execuções frustradas, seja por meio da suspensão ou extinção do processo


Diante deste contexto, o Código de Processo Civil de 2015 idealizou uma espécie de solução prevista no artigo 139, inciso IV, que visa elevar a efetividade do Poder Judiciário. O dispositivo autoriza o magistrado a adotar técnicas indiretas de execução a fim de assegurar que uma determinada ordem judicial seja cumprida. A lei processual não estabeleceu um rol específico de medidas alternativas, somente dispôs que o magistrado poderá determinar “medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias”.

 

Mas, é possível identificar que as medidas mais comuns são a apreensão de passaporte e/ou CNH, além do boqueio de cartão de crédito do devedor. 

 

Nos casos de recuperação de crédito, em que pese haja um rol a ser seguido para penhora de bens (artigo 835 do Código de Processo Civil), na inefetividade das medidas típicas arroladas no referido artigo, o credor poderá solicitar então o emprego de medidas atípicas, cabendo ao magistrado entender o contexto da execução, moldando a alternativa mais adequada ao caso concreto. 

 

Parte dos doutrinadores que entendem no sentido de que as medidas atípicas configuram violação do direito constitucional de ir e vir e da dignidade da pessoa humana, assemelhando-se ao extinto instituto de prisão por dívidas. Porém, há também doutrinadores que entendem que as medidas atípicas configuram estratégia para constranger o devedor que se esquiva da obrigação de pagamento, ainda que tenha meios para tanto.

 

Há, portanto, um dissenso entre os doutrinadores quanto às medidas atípicas para recuperação de crédito, que trazem reflexos diretos na jurisprudência: 

     1) A 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, apreciou caso que envolvia pedido de penhora de milhas aéreas em nome do devedor. Na decisão, o Relator Desembargador Mario-Zam Belmiro Rosa ressaltou que o credor diligenciou previamente no processo para buscar bens penhoráveis, contudo sem êxito, bem como, registrou o valor econômico das milhas aéreas, que podem ser comercializadas em diversas plataformas como MaxMilhas e 123Milhas. Externou, ainda, que “a execução não pode se eternizar”. 

 

     2) O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, analisou caso semelhante em 2020. A Relatora Ministra Nancy Andrighi manifestou a possibilidade da ação de meios atípicos em execuções, fixando condicionantes para tanto, quais sejam: a) verificar a existência de patrimônio apto a quitar o débito, que seja ocultado pelo devedor; b) esgotar os meios tradicionais, previstos no artigo 835 do Código de Processo Civil; e c) observar o direito ao contraditório e à proporcionalidade.

 

     3) Em outro caso, julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, manteve-se a suspensão do passaporte – que já durava 2 anos , enquanto a integralidade da dívida não fosse quitada, tendo a Relatora Ministra Nancy Andrighi registrado que a manutenção da suspensão serve para convencer o devedor que é mais vantajoso pagar a dívida do que sofrer a punição.

 

Deve-se, considerar, também, as características do devedor, com vistas a conferir efetividade à medida atípica. Por exemplo: o devedor que, ocultando seu patrimônio mediante “laranjas”, leva vida pública de alto padrão com registros de viagens ao exterior de luxo, se enquadra na possibilidade de ter seu passaporte suspenso. De outro lado, o devedor que tem como profissão motorista de caminhão, não se enquadraria na hipótese de suspensão de passaporte, eis que dificilmente o utiliza, enquanto a suspensão de sua CNH obsta sua única fonte de renda.

 

Resta claro que o magistrado, ao adotar medidas alternativas, deverá demonstrar a proporcionalidade e esclarecer que as medidas típicas foram insuficientes e frustradas, bem como, realizar detida análise do caso concreto a fim de que seja escolhida aquela medida mais efetiva. Porém, é igualmente nítida a importância do posicionamento do STF na ADI 5941, eis que trará consequências diretas à efetividade do Poder Judiciário, bem como o direito do credor de satisfazer seu crédito.

 

 

 

 

Referências:

https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/priorizacao-do-1o-grau/dados-estatisticospriorizacao/taxa-congestionamento-priorizacao/

https://www.cnj.jus.br/judiciario-recebeu-63-milhoes-de-novos-processos-judiciais-ate-marcodeste-ano/

https://painel-estatistica.stg.cloud.cnj.jus.br/estatisticas.html

TJDFT. 8ª Turma Cível, Relator Mario-Zam Belmiro Rosa. Agravo de Instrumento 0712398-97.2022.8.07.0000. D.J.: 19/07/2022.

https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5458217

REsp n. 1.894.170/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 12/11/2020

HC n. 711.194/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022O

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