O CASO DAS AMERICANAS E A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE - INCLUSIVE PARA EMPRESAS FAMILIARES
Por Fernando Barbur Carneiro
O emblemático caso das Americanas é o grande destaque dos jornais do mês de janeiro. Além de diversas explicações sobre o que seriam as tais operações de risco sacado, especialistas defendendo sua regularidade ou então contestando sua legitimidade, rapidamente o foco voltou-se ao bilionário grupo controlador. Afinal, os controladores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, hoje alvos de diversas ações judiciais, sabiam o que acontecia em sua empresa?
A pergunta é retórica e tem como objetivo estimular a reflexão: os empresários e as empresas familiares, de pequeno e médio porte, correm o mesmo risco que as Americanas e o seu grupo controlador?
Pois bem, tradicionalmente nascidas por necessidade de um ou mais membros de uma família, as empresas familiares de sucesso usualmente passam a ter um crescimento em virtude das habilidades comerciais de seus fundadores. Sem muito planejamento, mas com muita execução, a receita cresce e o resultado começa a aparecer. Alguns temas, é verdade, são deixados de lado: a contabilidade é uma mera classificadora de contas, o jurídico é só para quando existe processo e os consultores empresariais são considerados desnecessários.
Nessa fase, as margens normalmente são altas, mas muitos são os riscos tomados pelos empresários: não é raro verificar a criação de passivo trabalhista, tributário e, inclusive, a contratação sem reflexão de operações que podem colocar o caixa da empresa em risco.
A auditoria e regularidade trabalhista e tributária são indispensáveis, o que empresários com experiência já aprenderam e já contrataram especialistas para sua auditoria, planejamento e execução das melhores práticas de mercado.
Já no que se refere à contratação de operações financeiras, a lição das Americanas é importante. Ao contratar financiamentos e empréstimos bancários – com contratos de adesão, sem margem para negociação e que o empresário raramente lê – a engenharia jurídica é sempre a mesma: quem tomou o dinheiro emprestado fará uma série de declarações e garantias à instituição financeira e, em caso de descumprimento de tais assertivas, ocorrerá o vencimento da dívida.
Em outras palavras, se a empresa não andar na linha, em termos financeiros, reputacionais, jurídicos e contábeis, o banco poderá cobrar antecipadamente todo o valor da dívida, não respeitando as parcelas contratadas. No caso das Americanas, as “inconsistências contábeis” serviram para o Banco BTG declarar o vencimento antecipado da dívida e pedir o bloqueio de mais de 1 bilhão de reais da companhia – evidentemente, o imbróglio foi parar na justiça.
Esse risco é presente na grande maioria das empresas familiares. Um certo nível de endividamento é saudável para o crescimento das empresas e, portanto, é comum ver empresas com produtos financeiros contratados. O que raramente se vê é a preocupação com a adequação e regularidade das práticas empresariais com as declarações e garantias prestadas às instituições financeiras em contrato. Isto é, muitas empresas fazem declarações e garantias falsas (sem necessariamente ter essa intenção) aos bancos, tornando possível que, a qualquer momento, a instituição financeira declare o vencimento antecipado da dívida.
Para isso ser evitado, não basta apenas uma revisão contratual – evidentemente, os bancos não aceitam a exclusão de tais cláusulas. A solução é interna e volta-se para o avanço do nível de maturidade da empresa. Neste sentido, é indispensável que a mentalidade e a cultura empresarial mudem.
Internamente, cultivar uma equipe com pessoas engajadas e criar fluxos e procedimentos nas áreas de trabalho são medidas indispensáveis; externamente, aceitar a importância da contabilidade como órgão de informação fiscal e gerencial, tornar o jurídico um parceiro de negócios e aceitar a consultoria externa a fim de implementar práticas de mercado são algumas das providências incentivadas.
Neste cenário é que a implementação de um programa de Compliance, que aborde cultura, integridade, organização das áreas de trabalho, auditoria e melhoria das práticas tributárias e trabalhistas, instauração de governança corporativa e observância regulatória, torna-se o principal aliado das empresas na construção de um crescimento constante e duradouro.
A lição do caso das Americanas é, sem dúvidas, um chamado à responsabilidade para qualquer empresário: para crescer, não basta mais olhar apenas para a sua receita; é preciso organizar a casa, para que o crescimento seja contínuo e sem exposição demasiada ao risco.